O Mar ainda é o único lugar onde as regras não são contaminadas

No mar, as ondas dependem dele e do vento, a ação humana é descartável, e por isso, justa e implacável sobre todos sem distinção.

O Mar ainda é o único lugar onde as regras não são contaminadas

Há lugares onde as regras nascem puras. Não porque alguém as escreveu em um código ou as aprovou em assembleia, mas porque simplesmente existem. O mar é um desses raros territórios. Ali, não há decretos, não há discursos, não há versões oficiais. Há apenas leis antigas, imutáveis e, sobretudo, honestas.

O mar não se curva a interesses. Não negocia com poderosos, não concede privilégios, não reconhece sobrenomes nem cargos. Quem o enfrenta sem respeito aprende, invariavelmente, que ali não há espaço para a esperteza humana, tampouco para o famoso “jeitinho”. No mar, o erro cobra caro e a verdade aparece sem maquiagem.

Enquanto em terra firme as regras são constantemente contaminadas por conveniências, acordos silenciosos e interpretações sob medida, no mar tudo é claro. A correnteza não muda de direção para favorecer ninguém. A maré não sobe por decreto. O vento não obedece a ordens, nem se intimida diante da arrogância. Ele sopra como deve soprar, indiferente a vaidades.

Talvez por isso o mar incomode tanto. Ele expõe a fragilidade humana. Diante de sua imensidão, discursos grandiosos perdem força, títulos se tornam irrelevantes e certezas fabricadas naufragam com facilidade. No mar, não há narrativa que sustente a incompetência, nem propaganda que salve a imprudência.

É curioso perceber que, quanto mais a sociedade avança em tecnologia e retórica, mais se distancia de regras limpas. Criam-se normas flexíveis para uns e inflexíveis para outros. A legalidade vira argumento, não princípio. A moral se adapta ao interesse do momento. Já o mar segue intacto, fiel às suas próprias leis.

Ali, o mérito não é proclamado — é provado. A coragem não se anuncia — se revela. A humildade não é virtude discursiva — é condição de sobrevivência. Quem ignora essas regras aprende rapidamente que o mar não perdoa a soberba, apenas a corrige.

No fim, talvez o mar seja o último espelho honesto que nos resta. Um lugar onde as regras não foram contaminadas porque nunca pertenceram aos homens. E justamente por isso, continuam sendo as mais justas de todas.

Creditos: Professor Raul Rodrigues